A desaposentação pode ser entendida como o cancelamento de uma aposentadoria anteriormente concedida ao segurado, seja do Regime Geral de Previdência Social (RGPS ) ou do Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), para a concessão de um novo benefício mais benéfico.
Ela pode acontecer quando, após a concessão do primeiro benefício de aposentadoria, o segurado continuar a contribuir para o sistema previdenciário.
Para tirar todas as suas dúvidas sobre o assunto, elaboramos este conteúdo completo. Aqui, você confere:
- Contexto histórico da desaposentação
- Como a desaposentação acontecia?
- O STF e o fim da desaposentação
- Consequências da decisão do STF
- Diferença entre desaposentação e reaposentação
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Contexto histórico da desaposentação
A desaposentação surgiu quando muitos segurados após a concessão de suas aposentadorias, normalmente em razão do tempo de contribuição, voltaram ao mercado de trabalho e continuaram a contribuir ao regime previdenciário sem que houvesse qualquer tipo de retorno de referidas contribuições.
O art. 18, § 2º da Lei nº 8.213/1991, com redação dada pela Lei nº 9.528/1997, prescreve que
Art. 18, § 2º. O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social–RGPS que permanecer em atividade sujeita a este Regime, ou a ele retornar, não fará jus a prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao salário-família e à reabilitação profissional, quando empregado.”
Conforme dicção legal, uma vez que o segurado esteja aposentado e volte a contribuir ao sistema, não terá direito a outros benefícios previdenciários, exceto o salário-família e a reabilitação profissional.
Entretanto, entendia-se (e ainda existe corrente da doutrina e jurisprudência nesse sentido) que essa limitação imposta pela lei feriria (e fere) o princípio “contributivo retributivo”. Segundo esse princípio, as contribuições vertidas pelo segurado em favor do sistema previdenciário devem retornar de alguma forma a ele através de benefício previdenciário.
Argumento dos defensores
Um dos principais argumentos dos defensores da desaposentação é de que a regra disposta no art. 18, § 2º da Lei nº 8.213/1991 seria inconstitucional, em razão da violação do princípio “contributivo retributivo”. Diante dessa contradição entre a legislação e os princípios que regem o direito previdenciário, criou-se a tese da desaposentação.
De acordo com a tese, os segurados que se encontrassem aposentados e retornassem ao mercado de trabalho, contribuindo com o sistema previdenciário, poderiam fazer o pedido da desaposentação mediante o cancelamento da aposentadoria anteriormente concedida. Somando o tempo utilizado para a concessão do benefício anterior com o tempo trabalhado após a concessão do benefício, teriam acesso a um benefício melhor.
Referida melhora, geralmente, decorria dos seguintes fatores:
- Maior período contributivo;
- Maior idade e, por consequência, redução do período médio de pagamento do benefício, já que entre a nova idade do benefício e a expectativa de vida e sobrevida, haveria um lapso temporal menor;
- Valores recebidos de remuneração após a aposentadoria que poderiam ser maiores do que aqueles recebidos no período anterior à concessão do primeiro benefício.
Para os segurados aposentados pelo RGPS, quando há concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, via de regra há a incidência do fator previdenciário. Conforme esse fator, a depender do tempo de contribuição, idade, expectativa de vida e de sobrevida da pessoa, o valor do benefício será reduzido de acordo com os cálculos que consideram as variáveis referidas.
Outras mudanças
Importante destacar que a partir de 05/11/2015, data de publicação da Lei nº 13.183/2015, que acrescentou o art. 29-C à Lei nº 8.213/1991, os segurados que ao requererem a aposentadoria por tempo de contribuição e, possuindo o tempo mínimo necessário para a concessão do benefício – 30 anos mulher e 35 anos homem –, obtiverem uma pontuação mínima na soma do tempo de contribuição mais a idade, ficarão dispensados da incidência do fator previdenciário.
Vale lembrar também que até abril de 1994 existia um benefício previdenciário chamado de pecúlio, o qual foi extinto pela Lei nº 8.870/1994, que consistia em devolver ao aposentado os valores que foram recolhidos de contribuição previdenciária após a concessão de sua aposentadoria. O pagamento era efetuado de uma única vez, com juros e atualização monetária.
Como a desaposentação acontecia?
Como exposto anteriormente, o segurado que se encontrava aposentado e continuasse a contribuir para o regime previdenciário em razão de seu trabalho, poderia renunciar ao benefício anteriormente concedido e, somando todos os períodos contributivos para concessão do primeiro benefício com o período trabalhado após a concessão referida, fazer um novo pedido de aposentadoria.
Via de regra, o benefício seria de maior valor, pois muitas vezes o segurado, além de possuir maior tempo de contribuição, poderia ter atingido a idade necessária para a aposentadoria por idade – 60 anos para mulher e 65 anos para o homem –, não havendo a incidência de fator previdenciário para referidos benefícios, exceto se o fator fosse positivo, conforme interpretação do art. 181-A do Decreto nº 3.048/1999.
Art. 181-A. Fica garantido ao segurado com direito à aposentadoria por idade a opção pela não aplicação do fator previdenciário, devendo o Instituto Nacional do Seguro Social, quando da concessão do benefício, proceder ao cálculo da renda mensal inicial com e sem o fator previdenciário. “
Portanto, o instituto da desaposentação foi pensado para socorrer esse grupo de segurados que, após se aposentarem por tempo de contribuição e sofrendo a incidência do fator previdenciário, viam o valor de seus benefícios serem reduzidos.
Ao continuarem trabalhando, esse grupo buscava receber um benefício maior para fazer frente às necessidades que a velhice impõe a todos, e viver com melhor qualidade de vida.
Como o instituto da desaposentação não tinha previsão em legislação, não havia concessão mediante requerimento junto ao órgão previdenciário. Para ter direito, o interessado se via obrigado ao ajuizamento de ação judicial.
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Recepção da desaposentação nos tribunais
Nossos tribunais foram receptivos à tese da desaposentação, sendo que a maioria os juízes passaram a reconhecer o direito.
O posicionamento favorável à desaposentação pode ser constatado nos Tribunais Federais Regionais (TRFs), na Turma Nacional de Uniformização (TNU), bem como, no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Importante evidenciar que o reconhecimento judicial ao direito da desaposentação não significava necessariamente que o segurado seria desaposentado, pois era necessário a realização de cálculos para comparar o valor do benefício recebido antes e o que seria devido após o processo de desaposentação para conferir se valeria a pena.
Portanto, ocorreram situações em que apesar de reconhecido o direito à desaposentação, o valor do novo benefício seria inferior ao já recebido pelo segurado. O direito era reconhecido, mas não havia execução.
O STF e o fim da desaposentação
Em 27/10/2016, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu julgamento de recursos extraordinários com repercussão geral sobre a desaposentação.
Por 7 votos a 4, os ministros do STF fixaram a seguinte tese:
No âmbito do Regime Geral de Previdência Social – RGPS, somente lei pode criar benefícios e vantagens previdenciárias, não havendo, por ora, previsão legal do direito à “desaposentação”, sendo constitucional a regra do art. 18, § 2º, da Lei 8.213/1991.”
STF. Plenário. RE 381367/RS, RE 661256/SC e RE 827833/SC, red. p/ o ac. Min. Dias Toffoli, julgados em 26 e 27/10/2016 (repercussão geral).
Entendimento do STF sobre a desaposentação
Os ministros do Supremo entenderam que, ainda que não exista lei proibindo o instituto da desaposentação, não há lei que autorize a adoção do mesmo.
Entenderam ainda que o § 2º do art. 18 da Lei nº 8.213/1991 é constitucional, pois diante de referida regra e em atenção ao disposto no art. 201 da Constituição Federal, segundo o qual as prestações previdenciárias devem observar o equilíbrio financeiro e atuarial do sistema, se mostra inviável a manutenção do instituto da desaposentação sem que exista lei regulamentando o mesmo. Ou seja, há recursos suficientes para custear esse “benefício”?
Assim, o STF proibiu a existência da desaposentação, mas condicionou a validade da mesma à aprovação de legislação específica pelo Poder Legislativo através do processo legal.
Apesar de o STF ter decidido pela invalidade da regra da desaposentação como vinha sendo praticada até então, a decisão atinge de forma imediata apenas os processos que se encontravam em curso, pendentes de trânsito em julgado de suas respectivas decisões, assim como aos novos casos que vierem a ser distribuídos após a decisão.
Para os casos finalizados com data anterior ao julgamento, ou seja, transitado em julgado, a decisão proferida pelo STF não produz efeitos, como será falado adiante.
Consequências da decisão do STF para beneficiários da desaposentação
Após a decisão proferida pelo C. STF, na esteira do que decidiu a Corte Suprema, os demais Tribunais passaram a rever seus posicionamentos, sendo que, em observância à hierarquia entre os tribunais, todas as instâncias inferiores ao STF (STJ, TNU, TRFs, Varas, etc) passaram a não mais admitir a desaposentação, julgando improcedentes os processos que se encontravam interrompidos, aguardando a decisão final do STF.
Todavia, ainda se faz necessária a manifestação do STF mediante a modulação dos efeitos da decisão decretada sobre situações em que já haviam sido proferidas decisões favoráveis aos segurados, mas principalmente com relação aos casos em que os segurados passaram a receber os novos benefícios em razão da desaposentação.
Desconto de valores recebidos indevidamente
Segundo a previsão legal contida no art. 115 II da Lei nº 8.213/1991, especialmente após a publicação da Lei nº 13.846/2019 em 18/06/2019, que alterou a redação do inciso referido, os valores recebidos indevidamente pelo segurado do INSS poderão ser descontados diretamente do benefício, até o valor correspondente a 30% da sua importância.
Assim, para os casos em que os segurados estão recebendo valores de benefício maiores em razão do deferimento do pedido de desaposentação, sem que tenha havido o trânsito em julgado da decisão que reconheceu o direito, poderá haver, por parte do INSS, o desconto dos valores pagos a mais diretamente sobre o valor do benefício originário.
Se tratando de processos nos quais tenha havido o trânsito em julgado, e em atenção ao disposto no art. 5º XXXVI da CF, a princípio não haverá a cobrança dos valores recebidos após o deferimento da desaposentação.
Todavia, a depender da situação, os segurados poderão ser surpreendidos por ações rescisórias propostas pelo INSS buscando o ressarcimento dos valores recebidos em razão da desaposentação.
Apesar da disposição constante da súmula nº 343 do C. STF, segundo a qual “não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais”, o CPC (veja nosso guia sobre o novo CPC) traz a possibilidade de o INSS buscar a rescisão das decisões judiciais transitadas em julgado e que reconheceram o direito à desaposentação.
As disposições contidas no art. 966, V, § 5º do CPC c/c o art. 525, §§ 12 e 15 do CPC, in verbis:
Art. 966 do CPC
Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: (…)
V – violar manifestamente norma jurídica; (…)
§ 5º Cabe ação rescisória, com fundamento no inciso V do caput deste artigo, contra decisão baseada em enunciado de súmula ou acórdão proferido em julgamento de casos repetitivos que não tenha considerado a existência de distinção entre a questão discutida no processo e o padrão decisório que lhe deu fundamento.”
Art. 525 do CPC
Art. 525. Transcorrido o prazo previsto no art. 523 sem o pagamento voluntário, inicia-se o prazo de 15 (quinze) dias para que o executado, independentemente de penhora ou nova intimação, apresente, nos próprios autos, sua impugnação. (…)
§ 12. Para efeito do disposto no inciso III do § 1º deste artigo, considera-se também inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal , em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso. (…)
§ 15. Se a decisão referida no § 12 for proferida após o trânsito em julgado da decisão exequenda, caberá ação rescisória, cujo prazo será contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal.”
Pela dicção legal acima, existe a possibilidade de o INSS, em até dois anos após o trânsito em julgado da decisão do STF, ajuizar ações rescisórias pedindo a nulidade das aposentadorias concedidas em razão do reconhecimento judicial ao direito de desaposentação do segurado, bem como proceder a cobrança dos valores.
Por outro lado, caso o processo tenha tramitado junto aos Juizados Especiais Federais, por força do disposto no art. 59 da Lei nº 9.099/1995, não é cabível ação rescisória.
Diferença entre desaposentação e reaposentação
Ainda que se possa dizer que a transformação da aposentadoria – ou reaposentação – seja bastante semelhante à desaposentação, existe uma grande diferença entre os dois institutos.
Na desaposentação, a pessoa pedia o cancelamento da aposentadoria anteriormente concedida e, para a concessão do novo benefício, era considerado todo o período de contribuição do segurado (antigo mais o novo). Já na reaposentação, o pedido é feito tão somente com base nas novas contribuições realizadas após a concessão do primeiro benefício.
Ou seja, não são utilizados os requisitos e contribuições vertidas para a concessão do primeiro benefício, havendo renúncia daquele em detrimento de um novo, mais benéfico ao segurado.
Exemplo de reaposentação
Um exemplo de aplicação da tese de reaposentação seria a hipótese em que o segurado homem se aposentou aos 35 anos de contribuição, tendo 51 anos de idade. Nessa exemplo, houve a incidência do fator previdenciário e, consequentemente, a redução do valor do benefício.
Vamos supor que referido segurado continuou a trabalhar desde a sua aposentadoria e manteve a mesma média de contribuição ao INSS. Ao completar 180 contribuições mensais – requisito de carência para a concessão de aposentadoria por idade – correspondentes a 15 anos de contribuição, ele terá a idade de 66 anos.
E como sabemos, o homem que tenha contribuído pelo tempo mínimo de carência e possua a idade mínima de 65 anos, têm direito à aposentadoria por tempo de contribuição, sobre a qual não há a incidência de fator previdenciário.
É aí que surge a possibilidade da reaposentação, onde há a renúncia do benefício anterior, concedido 15 anos atrás, para a concessão de um novo benefício, observando exclusivamente os fatos e contribuições ocorridas após a concessão do primeiro.
Assim como ocorre com a desaposentação, não há na legislação a previsão de que o segurado tenha direito líquido e certo à reaposentação, pois o referido tema ainda provoca muitas discussões nos tribunais. É certo que um dia chegará ao STF para que seja dada a palavra final sobre a possibilidade.
Basicamente, o que sustenta na tese da reaposentação é o princípio contributivo retributivo. Segundo este princípio, as contribuições vertidas pelo segurado em favor da sistema previdenciário devem retornar de alguma forma a ele através de benefício previdenciário